6.10.11

À R.M.





"Tudo que acontece, quando importante, é assim como uma contradição. Até aparecer aquela para quem escrevo isto, eu imaginava que em algum lugar por aí, na vida, como dizem, estava a solução para tudo. Pensava, quando dei com ela, que me apoderava da vida, agarrava uma coisa que podia morder. Em vez disso, perdi completamente o controle da vida. Procurei alguma coisa a que me ligar - e não encontrei nada. Mas ao procurar, no esforço de agarrar-me, ligar-me a algo, perdido como estava, ainda assim encontrei o que não procurava - eu mesmo. Descobri que o que desejara a vida toda não fora viver - se o que os outros fazem se chama viver - mas me expressar. Percebi que jamais tivera o mínimo interesse em viver, mas só naquilo que faço agora, uma coisa paralela à vida, ao mesmo tempo parte dela, e além dela. O que é verdade me interessa muito pouco, mesmo o que é real; só me interessa o que imagino ser, aquilo que sufoquei todo dia para viver. Se eu morresse hoje ou amanhã, não teria a menor importância para mim, nunca teve, mas o fato de mesmo hoje, após anos de esforço, não poder dizer o que penso e sinto, é algo que me incomoda, me exaspera. Desde a infância me vejo no caminho desse espectro, sem desfrutar nada, sem desejar nada além desse poder, dessa capacidade. Tudo o mais é mentira - tudo que já fiz ou disse que não levava isso em conta. E isso é, sem dúvida, a maior parte da minha vida."
Miller; Henry - Tropic of Capricorn


À R.M.






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