30.10.11

é tudo ilusão

O tempo vai passando rápido demais. Os dias de repente mudam seus primeiros números, as semanas se desfazem como doces brincando na minha saliva, ou é minha saliva que brinca com os doces. Tudo se torna ainda mais relativo. Ou se está vivendo para morrer ou se está morrendo para viver. Como sentir o calor profundo, o veneno estridente, uma dor tremenda e uma alegria profana, um preenchimento total, estar no inferno e no céu ao mesmo tempo, dividindo os mesmos amores, as mesmas dores, o mesmo gozo em estar livre e presa dentro de si mesma.

Viver outubro foi bastante difícil porque eu nem ao menos sabia que já era outubro ou que ainda não havia passado outubro, e hoje já é 30 de outubro. Viver foi se tornando bastante difícil depois que eu comecei a comprar sutiãs maiores, depois que eu comecei a precisar de dinheiro todos os finais de semana, depois que eu descobri que eu não sabia como se deveria viver depois que se descobria que era difícil pra caralho sobreviver e ainda ter que viver. Mas viver me trouxe prazeres bem suculentos, de dar água na boca. De encher de lágrimas olhos de quem ainda nem nasceu. Aquela lágrima lambida com um gosto doce que se desfaz mais uma vez em minha saliva, ou eu que me desfaço nela, vai saber!

Daí que chega mais um final de um mês que mais pareceu uma toalha esquecida detrás da porta do banheiro inútil da sua casa, porque eu nem ao menos lembro bem o que fiz de bom nesse mês; não sei se posso chamar bastante cerveja, jazz, calor de muitos humanos e ao mesmo tempo nenhum de algo significante para minha existência, mas não sei se há coisa melhor a se fazer do que isso, porque me deu tanta alegria enquanto estava sendo vivido. Porra, isso foi mesmo muito significante para minha vida porque foi muito bom dançar todas essas noites. E mais uma vez, um inferno de céu ou um céu de inferno. Até que eu chegue em casa depois de um final de semana gostoso de se viver e encaro de frente a preguiça de continuar. Será que gastei toda a minha energia nesse céu quente e úmido?

Então, como todo texto tem que ter uma conclusão, e segundo algumas besteiras - ou coisas muito importantes - que li por ai sobre leituras, um autor sempre tem que dar a solução no último capítulo. Posso dizer que a minha solução para mim mesma poderá ser o sol que vai mais uma vez, assim como eu, atrever-se a nascer cheio de energia, cobrir a metade da Terra de uma chama de vida que te mostra que para estar no inferno, no mínimo, você ainda tem que caminhar arduamente para perto dele, então agradecemos todos porque ele nos diz numa força gritante:

Você está no céu, querida!




"I'm high and I'm happy and I'm free"




6.10.11

À R.M.





"Tudo que acontece, quando importante, é assim como uma contradição. Até aparecer aquela para quem escrevo isto, eu imaginava que em algum lugar por aí, na vida, como dizem, estava a solução para tudo. Pensava, quando dei com ela, que me apoderava da vida, agarrava uma coisa que podia morder. Em vez disso, perdi completamente o controle da vida. Procurei alguma coisa a que me ligar - e não encontrei nada. Mas ao procurar, no esforço de agarrar-me, ligar-me a algo, perdido como estava, ainda assim encontrei o que não procurava - eu mesmo. Descobri que o que desejara a vida toda não fora viver - se o que os outros fazem se chama viver - mas me expressar. Percebi que jamais tivera o mínimo interesse em viver, mas só naquilo que faço agora, uma coisa paralela à vida, ao mesmo tempo parte dela, e além dela. O que é verdade me interessa muito pouco, mesmo o que é real; só me interessa o que imagino ser, aquilo que sufoquei todo dia para viver. Se eu morresse hoje ou amanhã, não teria a menor importância para mim, nunca teve, mas o fato de mesmo hoje, após anos de esforço, não poder dizer o que penso e sinto, é algo que me incomoda, me exaspera. Desde a infância me vejo no caminho desse espectro, sem desfrutar nada, sem desejar nada além desse poder, dessa capacidade. Tudo o mais é mentira - tudo que já fiz ou disse que não levava isso em conta. E isso é, sem dúvida, a maior parte da minha vida."
Miller; Henry - Tropic of Capricorn


À R.M.






3.10.11

Joãos.







Quatro ligações perdidas me acordaram nesta segunda-feira quente. Me acordaram daqueles sonhos.
Não, desta vez não foram os sonhos eróticos!
Eu voltava pra lá, para as águas vermelhas, o céu azul. Para a natureza viva, verde. Pra reencontrá-lo. Quando eu cheguei:

"João está morando em Seabra, lá fora ele estudar."

Eu acabara de viajar quilômetros e quilômetros em busca de João, e lá se foi João estudar?
A cidade estava coberta de uma tarde tranquila, batizada por um céu azul-e-branco. Mas João fora embora.
Como a cidade mudou tão de repente com a ausência de João.

Eu acordei e mais uma vez, obviamente, João perdurou em meus pensamentos até a hora do suco de amendoim com guaraná. 

Em mais um começo de noite despretensiosa, carregada de uma preguiça por finais de semana prolongados e muito carboidrato, eu vou em busca melancolicamente de lembranças das antigas viagens. Buenos Aires, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Lençóis, Salvador, João Pessoa, Campina Grande, Sagi, Patos, Brasília, Goiânia... Quantas cidades, quantas pessoas, quantos Joãos.

Me deparei numa página de um amigo porteño. Ele acabara de migrar para o sul. Lá estava Teófilo em General Roca. Mas Teófilo era quase um pedaço do Art Factory. Mas Teófilo fora embora.
E o Art Factory não parecia mais o mesmo sem Téofilo.

Uma pessoa que eu não sei o nome que morava em um lugar que eu não sei qual era, que me cantou algumas dezenas de músicas brasileiras com sotaque espanhol, colocou em seu toca cd's Los Hermanos e desapareceu. 

Tara está na Inglaterra. 

Larissa fez a mesma coisa, largou tudo e todos para fundar um brechó numa cidade com menos de 10 mil habitantes. Mas eu conheci Larissa quando ela já mudada estava. Depois de ter ido embora.

Deitei-me na poltrona da varanda, olhei pro céu e num suspiro como quem tem que apagar as velinhas do seu bolo de aniversário, me fiz mais uma vez a mesma pergunta (e o mesmo desejo):

Quando eu poderei ir também embora?