30.7.11

Egeu


22h42min – Aeroporto de Salvador / BA

Eu queria um subway de salame com pepperone, gostaria de saber o preço da coca-cola. E assim perguntei. Não obtive resposta alguma da negra bahiana que parecia pouco se importar em dar uma resposta que estava escancarada do lado esquerdo do meu rosto. R$ 3,70 era o preço do refrigerante. Mas e se eu não enxergasse, ela continuaria a não me responder pelo simples fato da resposta estar lá?

Se eu não enxergasse, eu não conseguiria ter visto naqueles últimos oito dias a cor azul da água que o sol refletia, nem águas vermelhas sendo jorradas de uma pedra colorida, nem sorrisos sinceros, não teria visto olhares, bocas, dedos, não teria visto os meus ouvidos escutarem o barulho das cachoeiras, do pelourinho, o barulho do silêncio, das noites gritantes de frio. Não teria visto o meu corpo arrepiar-se por estar sendo aquecido por um secador elétrico debaixo das cobertas. Estava muito frio.
Não teria visto o que por aquele tempo eu poderia chamar de vida.
Eu agradeci a Deus por tudo. Sou mesmo bastante abençoada.

“Eu perdi o ônibus”
“você também perdeu o ônibus?”
(risos)

Raul Seixas cantou nos meus ouvidos por exatos três dias:

Eu sei que determinada rua que eu já passei não tornará a ouvir o som dos meus passos. Cada vez que eu me disperso de uma pessoa, pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez.

Eu não gostaria de me despedir de Lençóis e correr o risco de as pedras que firmam o chão desta cidade não mais poderem sentir o cheiro de areia molhada do meu chinelo laranja, com três corações. Não gostaria de me despedir da comida dos restaurantes, nem da cerveja da fazendinha, nem das cedas. Não gostaria de me despedir da barba mal feita, do egeu, do todinho antes de dormir, da reverberação da casa. Não gostaria de despedir-se dele.

“Perdi o horário dos ônibus por exatos três dias.”

Foi como, como dizia Skank, uma canção de amor inabalável.
Entre sete. Entre dois. Entre nós. Entre o mundo.
E eu ainda espero que este chão possa sentir os meus dedos calejados de desejo e leveza.
Um agosto intenso, feliz. E todo amor que houver.

Com paixão,
E.











12.7.11

As sementes quando crescem.


“Eu queria saber escrever”

“Por quê?”
“Para que eu pudesse descrever essa noite, poder relatar cada detalhe. Escreveria umas cinco folhas.”

Estavam deitados na rede vermelho sangue e o céu estava azul marinho. Deveriam ser onze horas da noite e ele estava programaticamente cheio de estrelas.

Eles estavam cheios de estrelas.

Ele olhava fixamente nos olhos dela algumas vezes e tentava entreter-se consigo mesmo, falava sobre seus amigos bêbados, as pessoas que conhecera ultimamente, a nova roupa de baixo que havia comprado, tudo numa tentativa nunca falha de fugir de si mesmo, daquele furacão de ser humano que tentava habitá-lo, mas que era complexo e triste demais para ser concebido. Ela, para não congelar-se numa pele que não era sua, agia da mesma forma de sempre. Deixava as lágrimas escorrer fielmente sobre os seus lábios enquanto seus olhos estavam fixos na quantidade mínima de estrelas do lado esquerdo do céu, por causa do excesso de luz da Avenida Ayrton Senna.

“Por que você está chorando?”
“Eu não estou chorando, é apenas a posição do rosto”
“O que você está sentindo?”
“ Eu estou sentindo como se estivesse sentada na beira de um rio e estivesse colocando um barquinho para ir embora.”
“ Posso sentar com você?”
“Eu não consigo ver mais ninguém lá. O sol está se pondo”
“ E quando o sol nascerá outra vez?”
“Quando o barquinho tiver desaparecido por completo”

Ele começara a ficar com medo. E ela só queria que ele se entregasse ao medo para que pudesse nunca mais senti-lo, para que pudesse voltar a ser quem ela tanto quis que ele fosse nos últimos dez meses. Mas ele era alguém difícil de se entregar.

“Eu queria confiar em você”
“Eu queria que você me desse paz”

“Hotels were closed
And the airport was clean
I was stranded alone
In my southwest dream
Such a pretty boy”

“Daqui a alguns anos, eu posso estar dirigindo e vou escutar essa música, e lembrarei de você, lembrarei desse dia, da gente dançando na sala, da vodka, da roupa, da rede, do cheiro.”

“Não se dispersa de mim mais uma vez”

Antes de dormir, ela observou o quanto ele parecia um anjo dormindo, o quanto esse era o único momento em que ela se sentia segura com ele, porque já passava de meia noite e os monstros que os habitam já deveriam estar dormindo também. Seria difícil acordar e ver que tudo aquilo não era real o suficiente para durar dois ou três dias. Adormeceram.

Ele só precisava confiar nela
Ela só precisava de paz.

“Eu amo você.”
“Eu também amo você.”
Dez/2010

5.7.11

Melancia.



 Este post vai dedicado as férias gostosas que todos merecem e que eu estava precisando a muito tempo. Nos quais eu engordo, rio, agradeço à Deus e reconheço que o ser humano, como diz Chris MacCandless, só sente a real felicidade quando compartilhada. Eu sei que quando agosto chegar e a realidade cair como quem deseja sobremesa, tudo mudará. Beijos, E.






4.7.11

Hummy



Houve um dia que eu me sentia muito, mas muito sozinho. Eu tentei pintar a casa de azul, ou foram meus olhos. Coloquei todos os bonecos da minha coleção de criança frente à varanda onde tentava sonhar todas as manhãs, mas exatamente nada parecia me fazer sentir acompanhado. As pessoas já me deixavam sozinho demais, desde criança.

Então eu ganhei um gato. Meu coração ainda tremia de frio, igualmente aos meus pés, mas todas as noites ele dormia ao meu lado, esfregava seus pelos escuros e macios no meu rosto, lambia os dedos das minhas mãos.

Um dia eu tive que partir, deixando-o assim, agora, sozinho. Não sei quem se partiu primeiro, se fui eu ou ele. Se foram meus dedos ou seu bigode branco e preto. Só sei que meu coraçãozinho, tentando esquentar no outro lado do mundo, num lugar onde o sol desce a pino e dorme debaixo da minha cama, eu encontrei uma saudade maior.

Olhando-me no espelho enquanto fazia minha barba, registrei uma gota pálida e transparente escorrendo no meu rosto, saíram várias de dentro dos meus olhos. Nesse momento, lá onde meus pés estão frios, ele estava ronronando e passando seu rabo nas minhas pernas. Pensei no que ele estava fazendo agora tão sozinho e tão preso. E me senti presa por amá-lo, porque agora além de estar sozinha, eu sentia medo. De perdê-lo.

Ai! A lâmina cortou o meu rosto, e o liquido que jorrava dos meus olhos o limparam. Tentei parar de amá-lo, mas não consigo mais.

Hummy querido, como está você agora?

 

Ao som de Eddie Vedder